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EDITORIAL   0001

 

 

 

COMO ESCOLHER UM CURSO SUPERIOR

Alexandre Lourenço

Agosto de 2010

                      

Durante os últimos anos foi possível observar uma explosão de cursos superiores no país. E um curso superior é algo bem diferente de um presunto, que se estiver estragado, pode ser trocado ou o consumidor facilmente ressarcido. Não há como devolver o investimento que uma pessoa faz durante um período significativo da sua vida (3, 4, 5 ou mais anos). Não se troca esse tempo enorme perdido e a esperança desperdiçada por qualquer tipo de indenização. Por conta disso, mais do que em outros campos, no caso das escolas é urgente que se foque na prevenção, e não na remediação. Para isso precisamos contar com a atuação do Ministério da Educação, assim como contamos com órgãos que fiscalizam a higiene dos restaurantes. Mas basta ler os jornais para perceber que esse esperado mecanismo de controle funciona de maneira questionável, para dizer o mínimo1. E o pouco que havia para esse controle - o provão - foi desarticulado pelo atual governo, que o substituiu por um mecanismo inconsistente que já foi intensamente criticado, tendo sido julgado como um verdadeiro retrocesso2. Já que não se pode esperar que o governo faça sua parte se ele não a quer fazer, resta a nós a constante vigilância e a crítica minuciosa para avaliar se uma escola é realmente boa ou não. Pensando nisso, resolvi escrever este texto para ajudar todas as pessoas que buscam uma boa escola e se sentem perdidas durante a escolha. Listei abaixo pontos que acredito serem  fundamentais na avaliação de qualquer curso superior:

 

1. Substância e aparência

Se alguém tem um produto de baixa qualidade e precisa vendê-lo, tem dois caminhos: ou melhora a qualidade do produto de maneira visível ou entope o consumidor de propaganda enganosa, fazendo-o acreditar que está adquirindo um relógio suiço legítimo quando na verdade se trata de um despertador de camelô. Isso não é nada difícil se o receptor estiver predisposto, tiver pouca informação ou for possuidor de um senso crítico bem modesto. E a julgar pela profusão de igrejas de fundo de quintal que proliferam como moscas, é fácil verificar que o terreno por aqui é muito fértil para os vigaristas. Bem dizia Pero Vaz de Caminha: "aqui em se plantando dá". Por isso, vontade e preparação constituem condição sine qua non para se fazer uma avaliação adequada e se chegar à verdade.

 

Não há como saber, a princípio, se uma propaganda diz a verdade ou não; e é fácil encontrar toneladas de propaganda promovendo o nome de dúzias de escolas nos jornais e revistas que circulam todas as semanas (aliás, em certas épocas do ano, as escolas privadas tornam-se os principais anunciantes em alguns meio de comunicação). A única coisa que a propaganda nos diz, com certeza absoluta, é que quem anuncia tem dinheiro para anunciar. Isso, em si, não é nenhum pecado e faz parte do sistema capitalista. Mas interpretar que a melhor escola é a que mais anuncia... isso já é outra história. Além disso, há a própria mensagem que pode ser mais ou menos sedutora, independente de seu tamanho e constância. Por exemplo: "Investimos na qualidade do nosso corpo docente!" Parece bom, não é? Mas e se a situação clamar por algumas respostas a perguntas perspicazes: Por que os professores estão em greve? Por que está acontecendo uma onda de demissões? Por que estão demitindo doutores e contratando recém formados (cujo valor da hora-aula é muito inferior)? A coerência entre discurso e ação é um dos fundamentos mais elementares de uma análise que deve ser observado na escolha de uma escola.

 

Portanto, é preciso ir além do que se vê na imprensa e avaliar os "indicadores de aptidão" (discutidos do item 2 em diante, abaixo). Se esses indicadores não forem coerentes com a imagem que a escola transmite, então talvez estejamos diante de um despertador de camelô.

 

 

2. Carga horária

Se há um meio fácil e rápido de cortar custos, é diminuir a carga horária das disciplinas que compõe o curso. Uma disciplina que tem 6 horas-aula passa a ter 2 horas-aula, por exemplo. Em tempos de Internet, criaram-se argumentos canhestros para justificar esses cortes, como o que apela para trabalhos que dizem que não há qualquer ganho em uma boa carga horária, devendo ela ser enxugada ao máximo. Se esses trabalhos existem, eu os desconheço, mas não duvido de sua realidade material (afinal, o papel aceita tudo). No entanto, minha experiência pessoal como professor e a de inúmeros colegas indica de maneira gritante na direção oposta: quanto menos tempo temos para desenvolver uma disciplina, tanto pior para o aluno. Isso não significa requerer que um curso tenha a duração de 20 anos para acomodar todas as disciplinas e suas cargas horárias ideais. Também por experiência própria já vivenciei cursos que tinham uma carga horária razoável que permitia um bom desenvolvimento da matéria. Por isso, aconselho que seja verificada a carga horária total do curso via site do INEP. Comparar vários deles é uma forma de descortinar uma informação que jamais apareceu em qualquer propaganda que eu tenha visto.

 

 

3. Relação professor-aluno

Outro ponto que raramente costuma ser observado: a relação numérica de professores e alunos. Uma disciplina que possui mais de um professor pode se articular de maneira muito mais proveitosa do que o atual sistema em curso, com um professor por disciplina. Isso para não falar de aulas práticas que EXIGEM  a presença de mais de um professor para manter qualidade e SEGURANÇA3 aos alunos.

 

 

4. Quantidade de alunos por sala

A mesma aula ministrada para 120 pessoas deve ser igual se ministrada a uma classe de 30, certo? Errado. Qualquer criatura que já deu aula na vida sabe que o rendimento e o desenvolvimento do conteúdo e do debate são muito mais precários em salas superlotadas. Mas claro que uma sala superlotada como o exemplo acima rende muito mais pelo mesmo custo. Dar aula não é vomitar um monte de palavrório em cima dos alunos como um esguicho que rega o canteiro; dar aulas envolve algo que é normalmente esquecido: AFETIVIDADE. Ou seja, a relação dos alunos com o professor ajuda a cimentar o processo de aprendizado e de estímulo ao aprendizado. A famosa frase de Carl Rogers resume isso de maneira muito elegante: "A efetiva aprendizagem passa, necessariamente, pela afetividade". Numa classe de 100, 120 pessoas fica difícil você saber até quem é seu aluno. Lembra a impessoalidade de algumas aulas de cursinho. Por isso, procure saber qual é o número de vagas disponíveis e desconfie de classes enormes.

 

 

5. Qualificação do corpo docente

Um curso superior não é uma simples aula de tabuada em que um conhecimento limitado, simples e razoavelmente uniforme vai ser passado. Ela exige conhecimento fundamentado do professor que ministra as aulas, o que significa uma especialização, seja na forma de uma especialização propriamente dita, seja na forma de um mestrado ou um doutorado. Como essa qualificação tem um custo ao professor que decide levá-la a cabo, é natural que essas titulações requeiram uma remuneração superior ao de uma pessoa que cumpriu apenas a graduação. E aqui entra uma maneira que considero particularmente abjeta de cortar gastos que é demitir doutores e contratar recém formados. Não há dúvida que todos merecem uma chance de emprego e deve ser uma alegria para alguém que se formou ganhar a oportunidade de trabalhar na docência. Mas esse tipo de processo não me parece encerrar muita benevolência, pois:

a) despreza o processo acadêmico de qualificação

b) despreza o tempo de trabalho e de ligação que um docente tem com a instituição

c) despreza que essa "dança das cadeiras" torna o curso movediço na medida em que acomodações naturais e projetos pedagógicos são abortados antes que possam dar frutos.

d) cria um clima de "empregado terceirizado", visto que essas trocas não passam despercebidas por quem fica e dão a impressão que, por mais que a pessoa se dedique, o que conta não é seu conteúdo e sua motivação, mas seu baixo custo

e) como não há meritocracia, o contratado de hoje pode ser o defenestrado de amanhã, porque afinal de contas, sempre se acha alguém disposto a ganhar menos

 

 

6. Produção científica

Produção científica é um importante indicador de comprometimento da instituição com os três pilares do ensino universitário: ensino, pesquisa e extensão. Mas atenção especial deve ser dada à estatística da produção científica. Imagine uma universidade com 70.000 alunos e 2.000 professores e uma com 4.000 alunos e menos de uma centena de professores. Se ambas investem (financeiramente e na forma de estímulos ao corpo docente) de maneira similar em produção científica, ambas terão uma produção proporcional. E essa palavra é muito importante, porque a primeira escola, devido à escala, terá uma produção científica maior em números absolutos, o que não necessariamente significa que ela seja melhor. É a proporção que nos dirá a qualidade do investimento e, portanto, o valor que aquela escola dá à ciência.@

 

7. "Dança das cadeiras"

Se a escola é daquelas que os fins justificam os meios, uma das estratégias para incrementar o lucro até as alturas é fazer sucessivas ondas de demissões, onde quem sai sempre tem uma hora aula maior do que quem entra. Embora o item 5 tenha tratado disso, resolvi enfatizar esse aspecto "movediço" do corpo docente. Infelizmente esse é um dado difícil de obter. Mas se houver a possibilidade de alguma informação sobre essa instabilidade (que é ruim para a formação de um quadro docente integrado e uma produção científica consistente), não deixe de levá-la em conta.

 


1 - http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u2150.shtml

 

2 - http://www.e-agora.org.br/conteudo.php?cont=artigos&id=1044_0_3_0_M4

 

3 - Um exemplo claro disso é o laboratório de Microbiologia, que envolve risco biológico, químico e de queimaduras (fogo). Ignorar este fato revela muito das verdadeiras intenções de quem alega motivos "pedagógicos" para fazer cortes e enxugamentos.

 

 

 

 

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