Durante
os últimos anos foi possível observar uma explosão de
cursos superiores no país. E um curso superior é algo bem
diferente de um presunto, que se estiver estragado, pode
ser trocado ou o consumidor facilmente ressarcido. Não há como
devolver o investimento que uma pessoa faz durante um
período significativo da sua vida (3, 4, 5 ou mais anos).
Não se troca esse tempo enorme perdido e a esperança
desperdiçada por qualquer tipo de indenização. Por
conta disso, mais do que em outros campos, no caso das
escolas é urgente que se foque
na prevenção, e não na remediação. Para isso precisamos contar com a atuação do
Ministério da Educação, assim como contamos com
órgãos que fiscalizam a higiene dos restaurantes. Mas basta ler os
jornais para perceber que esse esperado mecanismo de
controle funciona de
maneira questionável, para dizer o mínimo1.
E o pouco que havia para esse controle - o provão - foi
desarticulado pelo atual governo, que o substituiu por
um mecanismo inconsistente que já foi
intensamente criticado, tendo sido julgado como um verdadeiro
retrocesso2. Já que não se pode
esperar que o governo faça sua parte se ele não a quer
fazer, resta a nós a constante vigilância e a crítica
minuciosa para avaliar se uma escola é realmente boa ou
não. Pensando nisso, resolvi escrever este texto para
ajudar todas as pessoas que buscam uma boa escola e se sentem perdidas durante a escolha. Listei abaixo pontos que
acredito serem fundamentais na avaliação de qualquer curso superior:
1.
Substância e aparência
Se
alguém tem um produto de baixa qualidade e precisa
vendê-lo, tem dois caminhos: ou melhora a qualidade do
produto de maneira visível ou entope o consumidor de propaganda enganosa,
fazendo-o acreditar que está adquirindo um relógio suiço legítimo quando na verdade se trata de um
despertador de camelô. Isso não é nada difícil se o
receptor estiver predisposto, tiver pouca informação
ou for possuidor de um senso crítico bem modesto. E a julgar pela
profusão de igrejas de fundo de quintal que proliferam
como moscas, é fácil verificar que o terreno por aqui
é muito fértil para os vigaristas. Bem dizia Pero Vaz de Caminha:
"aqui em se plantando dá". Por isso,
vontade e preparação
constituem condição sine qua non para se fazer
uma avaliação adequada e se chegar à verdade.
Não
há como saber, a princípio, se uma propaganda diz a
verdade ou não; e é fácil encontrar toneladas de
propaganda promovendo o nome de dúzias de escolas nos
jornais e revistas que circulam todas as semanas
(aliás, em certas épocas do ano, as escolas privadas
tornam-se os principais anunciantes em alguns meio de
comunicação). A única coisa que a propaganda nos diz, com
certeza absoluta,
é que quem anuncia tem dinheiro para anunciar. Isso, em
si, não é nenhum pecado e faz parte do sistema
capitalista. Mas interpretar que a melhor escola é a
que mais anuncia... isso já é outra história. Além
disso, há a própria mensagem que pode ser mais ou
menos sedutora, independente de seu tamanho e
constância. Por exemplo: "Investimos
na qualidade do nosso corpo docente!" Parece
bom, não é? Mas e se a situação clamar por algumas
respostas a perguntas perspicazes: Por que os professores estão em greve? Por que está
acontecendo uma onda de demissões? Por que estão
demitindo doutores e contratando recém formados (cujo valor da hora-aula é muito inferior)?
A
coerência entre discurso e ação é um dos fundamentos mais
elementares de uma análise que deve ser observado na escolha de uma
escola.
Portanto,
é preciso ir além do que se vê na imprensa e avaliar
os "indicadores de aptidão" (discutidos
do item 2 em diante, abaixo). Se esses
indicadores não forem coerentes com a imagem que a
escola transmite, então talvez estejamos diante de um
despertador de camelô.
2.
Carga horária
Se
há um meio fácil e rápido de cortar custos, é
diminuir a carga horária das disciplinas que compõe o
curso. Uma disciplina que tem 6 horas-aula passa a ter 2
horas-aula, por exemplo. Em tempos de Internet,
criaram-se argumentos canhestros para justificar esses
cortes, como o que apela para trabalhos que dizem que
não há qualquer ganho em uma boa carga horária,
devendo ela ser enxugada ao máximo. Se esses trabalhos
existem, eu os desconheço, mas não duvido de sua
realidade material (afinal, o papel aceita tudo). No
entanto, minha experiência pessoal como professor e a
de inúmeros colegas indica de maneira gritante na
direção oposta: quanto menos tempo temos para
desenvolver uma disciplina, tanto pior para o aluno.
Isso não significa requerer que um curso tenha a
duração de 20 anos para acomodar todas as disciplinas
e suas cargas horárias ideais. Também por experiência
própria já vivenciei cursos que tinham uma carga
horária razoável que permitia um bom desenvolvimento
da matéria. Por isso, aconselho que seja verificada a
carga horária total do curso via site do INEP. Comparar
vários deles é uma forma de descortinar uma
informação que jamais apareceu em qualquer propaganda
que eu tenha visto.
3.
Relação professor-aluno
Outro
ponto que raramente costuma ser observado: a relação
numérica de professores e alunos. Uma disciplina que
possui mais de um professor pode se articular de maneira
muito mais proveitosa do que o atual sistema em curso,
com um professor por disciplina. Isso para não falar de
aulas práticas que EXIGEM a presença de mais de
um professor para manter qualidade e SEGURANÇA3
aos alunos.
4.
Quantidade de alunos por sala
A
mesma aula ministrada para 120 pessoas deve ser igual se
ministrada a uma classe de 30, certo? Errado. Qualquer
criatura que já deu aula na vida sabe que o rendimento
e o desenvolvimento do conteúdo e do debate são muito
mais precários em salas superlotadas. Mas claro que uma
sala superlotada como o exemplo acima rende muito mais
pelo mesmo custo. Dar aula não é vomitar um monte de
palavrório em cima dos alunos como um esguicho que rega
o canteiro; dar aulas envolve algo que é normalmente
esquecido: AFETIVIDADE. Ou seja, a relação dos alunos
com o professor ajuda a cimentar o processo de
aprendizado e de estímulo ao aprendizado. A famosa
frase de Carl Rogers resume isso de maneira muito
elegante: "A efetiva aprendizagem passa,
necessariamente, pela afetividade". Numa classe de
100, 120 pessoas fica difícil você saber até quem é
seu aluno. Lembra a impessoalidade de algumas aulas de
cursinho. Por isso, procure saber qual é o número de
vagas disponíveis e desconfie de classes enormes.
5.
Qualificação do corpo docente
Um
curso superior não é uma simples aula de tabuada em
que um conhecimento limitado, simples e razoavelmente
uniforme vai ser passado. Ela exige conhecimento
fundamentado do professor que ministra as aulas, o que
significa uma especialização, seja na forma de uma
especialização propriamente dita, seja na forma de um
mestrado ou um doutorado. Como essa qualificação tem
um custo ao professor que decide levá-la a cabo, é
natural que essas titulações requeiram uma
remuneração superior ao de uma pessoa que cumpriu
apenas a graduação. E aqui entra uma maneira que
considero particularmente abjeta de cortar gastos que é
demitir doutores e contratar recém formados. Não há
dúvida que todos merecem uma chance de emprego e deve
ser uma alegria para alguém que se formou ganhar a
oportunidade de trabalhar na docência. Mas esse tipo de
processo não me parece encerrar muita benevolência,
pois:
a)
despreza o processo acadêmico de qualificação
b)
despreza o tempo de trabalho e de ligação que um
docente tem com a instituição
c)
despreza que essa "dança das cadeiras" torna
o curso movediço na medida em que acomodações
naturais e projetos pedagógicos são abortados antes
que possam dar frutos.
d)
cria um clima de "empregado terceirizado",
visto que essas trocas não passam despercebidas por
quem fica e dão a impressão que, por mais que a pessoa
se dedique, o que conta não é seu conteúdo e sua
motivação, mas seu baixo custo
e)
como não há meritocracia, o contratado de hoje pode
ser o defenestrado de amanhã, porque afinal de contas,
sempre se acha alguém disposto a ganhar menos
6.
Produção científica
Produção
científica é um importante indicador de
comprometimento da instituição com os três pilares do
ensino universitário: ensino, pesquisa e extensão. Mas
atenção especial deve ser dada à estatística
da produção científica. Imagine uma universidade com
70.000 alunos e 2.000 professores e uma com 4.000 alunos
e menos de uma centena de professores. Se ambas investem
(financeiramente e na forma de estímulos ao corpo
docente) de maneira similar em produção científica,
ambas terão uma produção proporcional. E essa
palavra é muito importante, porque a primeira escola,
devido à escala, terá uma produção científica maior
em números absolutos, o que não necessariamente
significa que ela seja melhor. É a proporção que nos
dirá a qualidade do investimento e, portanto, o valor
que aquela escola dá à ciência.@
7.
"Dança das cadeiras"
Se
a escola é daquelas que os fins justificam os meios,
uma das estratégias para incrementar o lucro até as
alturas é fazer sucessivas ondas de demissões, onde
quem sai sempre tem uma hora aula maior do que quem
entra. Embora o item 5 tenha tratado disso, resolvi
enfatizar esse aspecto "movediço" do corpo
docente. Infelizmente esse é um dado difícil de obter.
Mas se houver a possibilidade de alguma informação
sobre essa instabilidade (que é ruim para a formação
de um quadro docente integrado e uma produção
científica consistente), não deixe de levá-la em
conta.
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